Monthly Archives: January 2011


De regresso a Genebra a febre regressou, tal como enormes aftas na boca. Uma visita ao médico, várias análises e nada descoberto. As aftas são efeito secundário do Malarone, que parei imediatamente de tomar.

A aventura nos Camarões foi cansativa e mágica. O blog recomenda-se ler do final para o início. Esta é a última entrada. Boa leitura.


A temperatura regressou mas o ibuprofene funciona. Depois de comer algo começo com uma dor na garganta, ao início no lado esquerdo. Vamos de táxi até à agência de viagens recomendada pelo hotel. O autocarro já havia partido. O taxista leva-nos a outra agência que nos embarca para Buea, a 30km dali. Lá apanhamos outro autocarro de 30 lugares para Yaoundé. Depois da típica hora para por as malas sobre o autocarro, de avançar 30 metros e parar por 10 minutos, partimos. Passamos ao longo de uma linha de comboio que, a certa altura, segue numa das faixas de rodagem por alguns quilómetros. Há tão poucos comboios nos Camarões que não há sequer sinalização nas passagens de nível. Passamos em Duala, a capital económica com alguns prédios de 5 a 7 andares, a mesma ou pior confusão que nas outras cidades do país. A estrada Duala-Yaoundé parece ser das mais perigosas. A certa altura cruzamos um autocarro na berma com o motor na traseira em fogo e todos os passageiros a sair apressadamente pelas três portas disponíveis. Não há extintores.

Mais tarde durante controle da polícia uma criança de uns 7 anos sobe para o banco da mãe e urina pela janela. Cinco horas de viagem até à capital. A estrada das agências de viagem está congestionada de táxis. O autocarro faz as últimas dezenas de metros em contra-mão antes de fazerem uma abertura entre os táxis para chegar ao terminal. É mania de muitos países deixar o motor ligado quando o veículo está parado. Enquanto esperava que a mochila descesse, já intoxicado pelo fumo e quase tocado por um autocarro em marcha atrás, meto a mão e desligo o motor que me incomodava.

Vamos para casa de Jean de táxi, depois de lutar verbalmente com dois tipos que tentavam fazer comissão com o condutor de táxi e um preço exagerado. Salvou-nos o simpático taxista.

Contamos as experiências, brincamos com as crianças até irmos todos ao aeroporto. Antes do check-in fazem um scan dos passaportes mas o homem distraído não devolve o passaporte da Eva e mete num monte de outros. Brussels Airlines levou 3 guichets de check-in móveis para o aeroporto. O pessoal é local. Convencemos o agente que não temos bagagem e dá-nos o boarding passe sem perguntar que lugares gostaríamos. Temos de ir a outro pequeno guichet pagar a taxa de embarque. Não há troca de palavras com a senhora que demora um bom minuto para receber e verificar os nossos últimos francos e por um carimbo nos bilhetes.

Despedimos-nos de Jean. No primeiro controlo há alguém que vem e nos ultrapassa. Já vimos a mesma atitude quando comprámos bilhetes de autocarro. No controle de passaportes o guarda fala ao telemóvel enquanto preenche a ficha de partida que nos deram no primeiro controle, 20metros antes.

Um terceiro controle de bilhete e passaporte antes dos raios-x. Pergunto se preciso tirar os líquidos a que responde “ponha aí” apontando para a mochila. Líquidos, sim, não? Sem resposta não tiro os líquidos.

Quarto controle do bilhete onde digo um forte “Bonjour” à falta de cumprimento inicial.

Quinto controle, para abrir a bagagem de mão. Digo para o ar “não confiam nas vossas máquinas” ao qual o guarda estrabuja. Passa ainda um detetor de metais. À Eva o guarda olha para os líquidos para ver se algo é inflamável.

Embora ainda falte uma hora para o avião chegar ao aeroporto, dizem sem parar para os passageiros do voo tal e tal irem à sala de embarque para “immediate boarding”.

Converso com um jovem que vai pela primeira vez à Europa. Falamos dos seus sonhos e das diferenças, mas pouco lhe digo para o permitir descobrir.

Pouco depois de embarcar chamam um médico. Várias pessoas se levantam. Poucos minutos depois pedem novamente. Eva junta-se ao grupo na parte detrás do avião. Os hospedeiros estão um pouco em pânico. A Eva demora-se. Trinta minutos depois o capitão fala a dizer que um dos membros da equipa faleceu de paragem cardíaca. A Eva regressa. Nem no avião nem no aeroporto havia qualquer material médico e após 30 minutos de massagem cardíaca e duas injeções de adrenalina não havia nada a fazer. Íamos agora esperar um médico local e a polícia para o constato e depois decidir se o avião partirá. Há hospedeiras que choram. Os passageiros dormem ou vão olhar o que se passa com o corpo ou trocam de lugares.

Eram 3 da manhã quando a decisão de partir é tomada, anunciando que o serviço iria ser impessoal infelizmente.


Outro banho para começar o dia. Depois do pequeno-almoço vamos para a estrada esperar um táxi. Um carro para e propõe levar-nos metade do caminho. Apanhamos outro táxi e chegamos a Limbé onde nos hospedamos num hotel junto ao Jardim Botânico. Visitamos o jardim e depois andamos ao sol pela marginal. Há varredores e nota-se a limpeza da estrada. Há lugares de estacionamento marcados mas a maioria prefere na mesma estacionar à sombra, ocupando completamente o passeio. Sinto-me fraco e paramos num bar para uma bebida. Ao regressar ao hotel vemos que tenho temperatura ligeiramente alta. Eva inquieta-se com possível malária. Dispo-me. Hora depois a temperatura baixa um pouco. Almoçamos uma sopa de peixe e um prato africano à base de carne e espinafres. De volta ao quarto a temperatura sobe. Esperamos. Nada muda. Eva telefona a Jean que, visto a falta de outros sintomas, diz que posso esperar e tomar ibuprofen para a febre. Fico bom! Janto uma outra sopa de peixe, conversamos ao luar a ouvir as ondas até ir dormir.


Começo o dia com um mergulho na piscina e fotografias na praia. O pequeno-almoço incluído no preço é limitado, havendo um buffet um pouco melhor que custaria 10€ por pessoa. Limitamo-nos. Vamos ver depois a lava de uma das últimas atividades do vulcão existente aqui próximo. Um homem corre atrás de nós a dizer que temos que pagar e perguntamos se dá recibo ou bilhete. Diz que isso é com o guarda local e nós dizemos que pagaremos ao guarda quando formos embora. A neblina permanente da humidade não nos permite ver o vulcão de 4000m. Depois de uma caminhada sobre as pedras de lava regressamos sem que nos peçam pagamento. Regressamos pela praia ao longo da maré baixa, Eva toma banho no mar calmo e morno. Descansamos o resto do dia e jantamos no hotel próximo do nosso. Eu sinto a pele estranha.


Saímos do hotel com esperança que Ben não esteja à nossa espera. Compra-mos algo para comer e apanhamos um táxi para perto do Lago Oku. Caminhamos os últimos dois quilómetros e, enquanto umas senhoras lavam roupa, um jovem diz ser o guia e que temos de pagar a entrada no lago. E se quisermos podemos ir de barco até uma vila do outro lado. Digo que é caro, responde que podemos discutir o preço. Ou andar – só custa 2000F. Que não podemos ir sozinhos. Diz que o lago data do tempo dos tetra-avós, mas não sabe a história do dito. Resignamos-nos a aceitar andar um pouco com ele. O lago é especialmente bonito para África. A transparência da água deixa ver o lixo que deitam para dentro.

Ao ir embora outro senhor diz ser ele o responsável e a ele que temos de pagar a “entrada”. Dizemos já ter pago a outro. Ele quer que mostremos quem é. De regresso junto ao lago uma cabeça desaparece sob a água. Pela roupa sobre uma pedra, dizemos ter sido o mergulhador o guia. O senhor pergunta se ele era preto. Perplexos com a pergunta dizemos que nós somos os únicos brancos ali. Ele grita pelo outro e diz-lhe para ele devolver o dinheiro. Nós dizemos que vamos embora. Um e outro continuam a discutir.

Na estação de autocarro de Kumba levam o nosso táxi para junto de uma das companhias. Acabamos por comprar o bilhete para Limbé e metem-nos nos lugares da frente da HiAce a cair aos bocados. Quando finalmente temos 20 pessoas na parte de trás partimos. Para ligar o carro alguém o empurra para trás e o condutor vira a chave. Passado pouco tempo paramos porque parece que as malas estão mal seguras em cima. Um pouco depois um controlo policial ocupa-nos mais cinco minutos. Depois trocamos alguns passageiros. Vamos parando e partindo todos os cinco minutos. A HiAce não tem terceira mudança e conduz sempre no centro da estrada. A certa altura duas bagagens caem do teto e tem de dar meia volta para as ir pescar. Tinham passado três horas quando chegamos a Limbé, a menos de 100km de Kumba.

Os taxistas perguntam quanto damos para que nos levem ao hotel. Vamos comprar água e perguntar na loja como ir e quanto custa normalmente o táxi até ao hotel. É sempre a melhor tática. Dois táxis depois chegamos ao hotel, um dos melhores dos Camarões. Tem ar condicionado (velho, de caixa) e água quente no chuveiro molha tudo. Inclui pequeno-almoço!

Tomamos banho de mar na praia de areia preta e depois numa piscina natural com água de uma nascente. Sentimos-nos mais limpos. Investigamos o restaurante de um outro hotel visto o nosso ter preços exorbitantes, aproveitando-se da distância à terra mais próxima. Jantamos na mesma no nosso hotel, pagando tanto como duas noites em outros dos hotéis em que dormimos.


Cerca das 8h chegámos ao quintal da companhia de autocarros. A senhora da véspera diz nos ter reservado os lugares 3 e 7, mas que se quisermos podemos ter os assentos 2 e 3. Em países onde se conduz mal nunca é seguro ter os lugares da frente, mas depois de ver que são os únicos bancos individuais, aceitamos e agradecemos. Assim não iremos apertados e eu só terei de partilhar o espaço à frente do meu lugar com as pernas de outra pessoa. Enquanto esperamos vamos comprar algo para a viagem. O monte de bagagens sobre o minibus de 35 lugares (21 lugares dos nossos standards) é suficientemente grande para esconder uma mota Nanfan que vai deitada. Depois de cobrir tudo com uma lona, metem ainda dois sacos com algumas galinhas vivas.

Partimos às 10:30. Pouco depois param-nos num controlo e monta a discussão porque não querem deixar passar a mota que vai no teto sob todas as malas para a qual faltam documentos. Passado uns 10 minutos o problema foi resolvido. Como? Não sabemos. Duas horas depois pausa para xixi à beira da estrada. Homens e crianças fazem logo ali. Mulheres vão uns metros mais longe e regressam com algumas manchas nas saias e vestidos. O autocarro cheira agora um pouco a. Duas horas depois os passageiros pedem 10 minutos de pausa para comer. Compramos um pouco de ananás e três pequenas espetadas de carne. A viagem continua. O condutor nunca respeita os comandos de parar nos controlos da segurança rodoviária. Parece não ser grave. Um suborno a menos a pagar. Às 18:30 chegamos a Kumbo.

Ao final de toda uma viagem em estrada asfaltada, esta cidade tem pó como nunca visto. Está quente e húmido. A mistura não é agradável. No hotel só queremos que tenha ar condicionado que funcione. Tem. Pedimos o comando e a empregada mais nova traduz o pedido à mais velha. A mais nova, simpática, traz o comando que só podemos usar no momento porque é o único que têm para todos os quartos. Decidimos por 23 graus. Com a baixa voltagem na região o aparelho sofre para dar algum ar. Tomamos banho de água fria e vamos procurar comida.

O restaurante que propõe o guia de viagem é apenas um bar com stands de comida à volta. Partilhamos a mesa com um jovem que se chama Ben e diz ser jogador de futebol na equipa local. Enquanto comemos o peixe e banana com as mãos, ele avisa que será o nosso guia no dia seguinte. Aceitamos o número de telefone para lhe enviar uma mensagem ao mesmo tempo que pensamos como vamos escapar ao tipo. Durante o resto da refeição ignoramos-lhe e passado um tempo vai ele embora. Nós terminamos a cerveja e o sumo e também voltamos para o hotel.


Às 9 horas chegámos ao terminal de transportes de Kumba e os presentes apontam-nos um Toyota Corolla de três portas como o único veículo a ir para Bamenda. Há um homem melhor apresentado que vai também para Bamenda e nos diz que temos de aproveitar aquele carro. Damos as mochilas. O homem diz que é melhor reservar já os lugares e que os melhores são os de trás, visto à frente poder haver cadeiras musicais com os passageiros que entram e saem ao longo do percurso.

Negro magro, fumador e cabelo punk, um pede dinheiro para comer.

Entramos no carro. Connosco atrás vai o homem bem vestido e uma criança. À frente vão o condutor e mais três pessoas. Uma partilha o banco com o condutor e dorme quase toda a viagem e outros dois partilham o banco do passageiro. A bagageira vai aberta com uma lona e plásticos a segurar as malas e sacos que ultrapassam o carro. Partimos.

A primeira parte é no mesmo percurso de ontem em terra batida e com buracos. O homem bem vestido conta-nos que estudou três anos em Den Hague e agora trabalha numa ONG para propor políticas para e industria mineira e petrolífera nos Camarões. Diz que gostaria que as populações locais ganhassem algo com a exploração das suas terras, algo que não acontece agora.

Mesmo a oito no carro a viagem desenrola-se calmamente e em menos de quatro horas chegamos a Bamenda. Um táxi leva-nos ao hotel Mundial que fica no final de uma cortada da estrada principal.

O quarto é grande e no chuveiro há um aquecedor elétrico de água. Aproveitamos para lavar alguma roupa que pomos a secar em corda feita de fio dental. O forte sol bate varanda e decidimos esperar um pouco.

Saímos à procura da companhia de autocarros que vai para Kumbo. Uma senhora simpática na bilheteira diz que reservará os lugares e lá estar na manhã seguinte às 8h30. A fome leva-nos a um pequeno restaurante onde nos servem, sem perguntar, peixe, banana frita e yam. Tanto a senhora que nos serve como o resto dos clientes estão agarrados à cerveja e parecem ainda celebrar o ano novo, cantando e dançando.

No edifício das forças armadas vemos um cartaz do atual presidente já em campanha para as próximas eleições onde, constitucionalmente, ele não pode participar. Todos receiam uma nova Costa do Marfim em 2011.

Tomamos cerveja numa esplanada, compramos algo para comer e mais tarde regressamos, já de noite, ao hotel.

(Recebi esta tarde uma SMS a contar da morte do meu tio Alberto Pedroso. Infelizmente não participarei ao funeral.)


Às 6h já é dia mas ainda havia música na rua e algumas pessoas a dançar. Ao sair do hotel um guarda dormia num banco e outro sobre a secretária. Não acordaram nem com a porta mal oleada. Vamos de táxi para a estação de autocarros donde partem veículos – a palavra apropriada – para Kumbo. Apontam-nos para uma velha Hyace. É velhíssima mas não foi alterada, só tem nove lugares embora leve até 12 ou 15 pessoas. Começam a abrir stands de comida no descampado. Compramos uma baguette. Táxis chegam com gente e bagagem. Motas com bagagem que não acreditamos ser possível transportar sobre duas rodas. Converso com um homem que me diz ser um responsável de ver a ordem de chegada dos veículos, de ajudar a carregar e pagam-lhe por isso.

Compro arroz e feijão para pequeno-almoço. Aqui pede-se “arroz por 100 francos” e ela serve num prato que acabou de lavar numa bacia de água.

Táxis chegam, veículos partem para diferentes destinos. Para Kumbo não há mais ninguém. Esperamos durante três horas. O condutor, anglófono, fala ao telefone. Receio que decida não ir. Tinha dito que partiria com quatro passageiros. Fecha-nos a carrinha e diz que a vai parar mais próxima da estrada. Avançou os vinte metros que faltavam. Esperámos mais dez minutos com o motor ligado.

Estamos lá desde as 7h30 e já passam das 10h30 quando partimos, só os dois e o chauffeur para por gasolina. O caminho é em terra batida. Passamos as duas primeiras vilas e não há passageiros. Cruzamos pelo menos dez veículos super-lotados no sentido inverso. Hora e meia depois três passageiros entram. Fazem relativamente curtas distâncias e tudo se passa num dialecto local. Receio que alguma peça do carro se parta, tanto são os buracos.

Uma mota com um passageiro e a roda de um carro como bagagem ultrapassa. Cinco minutos depois vemos um carro a usar essa roda para substituir o pneu furado.

O condutor para. O potencial passageiro dá-lhe um copo a beber. O condutor dá-nos a provar – “it’s sweet”. Sabe a vinagre com açúcar. O condutor é convidado a casa do passageiro e sai de lá com outro copo de plástico que nos dá a provar – “this one is very sweet”. É vinagre com mais açúcar. Passado um momento entra o condutor, o passageiro e três bidons com o tal líquido a fermentar. Quilómetros depois o passageiro parte e deixa um dos bidons como pagamento da viagem.

Na vila seguinte há uma família com muitas crianças entra na carrinha. A mãe, com uma cintura de uns dois metros de circunferência, senta-se ao nosso lado apertando-nos contra o bordo do veículo. Os últimos quilómetros são desconfortáveis sem espaço e com crianças à volta. Chegamos a Kumba.

A família sai e como não há táxis o condutor diz levar-nos até à rotunda mais à frente onde haverão. Ele não os vê (nós vimos dois) e assim leva-nos até ao hotel. Nós prometemos pagar-lhe o valor do táxi. À chegada oferecemos 2000 francos aos quais, embaraçado, responde “should I give change?”. Agradece-nos imenso e nós ficamos pelo hotel onde a água quente prometida na receção não funciona.

Passeamos por Kumba. Cidade simpática, muito menos confusa que todas as outras que vimos até hoje. Por ser o primeiro dia do ano todos estão bem vestidos. A dois mil metros de altitude a temperatura é perfeita. Distribui-se “Bonne année” por todo o lado mesmo que Kumba seja anglofona. Tomamos cerveja em duas simpáticas esplanadas. No meio do trânsito vemos aparecer e passar homens mascarados de guerreiros, parte da tradição local de ano novo.

Jantamos peixe grelhado e 200 francos de batatas fritas. Gostamos de Kumba.